(Foto: Pablo Porciuncula / AFP)
Não há mais discussão. Ninguém respeita a seleção brasileira. O futebol brasileiro acabou. Certo? Tudo bem, mas quando foi que isso aconteceu exatamente? Em que momento deixamos de ser a seleção que dominava o mundo e nos tornamos irrelevantes? Foi nessa última data FIFA, quando o Brasil não ganhou nenhuma das partidas, empatou com a Venezuela em casa e perdeu para o Uruguai? Ou foi quando fomos eliminados de uma Copa do Mundo para a Croácia? Ou foi quando perdemos uma Copa América para a Argentina em pleno Maracanã em 2021? Ou foi quando fomos eliminados da Copa América ainda na fase de grupos em 2016? Ou foi no 7 a 1, quando tomamos aquela goleada para a Alemanha em uma semifinal de Copa do Mundo jogando em casa? Ou foi quando fomos eliminados para Honduras na Copa América de 2001? Ou quando perdemos pra Nigéria nos Jogos Olímpicos de 96 com Roberto Carlos, Bebeto, Rivaldo e Ronaldo em Campo? Ou foi em 93 quando perdemos de 2 a 0 para a Bolívia nos complicando na classificação para a Copa? Ou foi quando perdemos duas Copas sob o comando de Telê Santana nos anos 80, tendo uma seleção que só jogava bonito e não ganhava? Ou foi em 1966 quando fomos eliminados da Copa do Mundo ainda na fase de grupos?
A resposta é todas as anteriores, ou nenhuma delas. Porque das duas, uma. Ou o futebol brasileiro nunca perdeu e não perderá o respeito, ou nunca tivemos esse domínio todo no futebol. Aí a escolha é sua. A verdade é que o saudosismo faz com que se haja uma ideia de que no passado o Brasil dominava completamente o futebol, mas nunca foi bem assim. Talvez na época do Pelé, na década de 60, mas quantos dos que declaram o fim do futebol brasileiro efetivamente viram aquela seleção?
Fazer essa análise não é tentar mascarar um momento ruim da seleção brasileira, é só mostrar que esse discurso de que a equipe "não é mais a mesma" é muito antigo, e que o problema não é esse. Uma derrota para o Uruguai em Montevidéu não é motivo para preocupação, ainda mais levando em conta uma competição com dez equipes, em que seis têm vaga direta para a Copa e uma ainda vai à repescagem. O que preocupa é o nível de atuação, a ausência de criatividade no ataque e as falhas defensivas. E possivelmente o pior de tudo: a ausência de um rumo claro.
A gente vem de um trabalho excepcional na seleção brasileira, que teve o técnico Tite a frente do projeto por seis anos. Seis anos em que todas estas críticas que são intrínsecas ao treinador da seleção foram feitas. Era mais difícil construí-las, umas vez que a equipe tinha ótimo desempenho e na maioria das vezes bons resultados, mas elas eram feitas, mesmo que de maneira mais "romântica". Dizendo que o Brasil estava fazendo o que sempre fez nas Eliminatórias, passando por cima de todo mundo, mas o time já não encantava mais. Primeiramente, este período em que o Brasil era tão absoluto nas Eliminatórias nunca existiu, a seleção no último ciclo bateu recordes na competição (maior número de vitórias, maior invencibilidade, maior aproveitamento, entre outros). E segundo, é claro que encantamento no futebol é algo totalmente subjetivo, mas é difícil entender como uma equipe que praticamente não sofria perigo, sofreu só 30 gols em 81 partidas e marcou 174, que "estrangulava" o adversário na saída de jogo e retomava a posse imediatamente após perder a bola, e tem diversas atuações memoráveis era criticada por não encantar.
Inclusive, falando sobre Eliminatórias, poucos se lembram o sufoco que o Brasil passou das últimas vezes em que foi Campeão Mundial. Tanto em 94 quanto em 2002, a seleção teve ciclos bem conturbados, com mudanças de treinador, e só garantiu a vaga no último jogo. Em 93 vencendo o Uruguai por 2 a 0 no Maracanã em grande atuação de Romário, é o jogo em que ele faz aquele gol driblando o goleiro Siboldi. E em 2001 vencendo a Venezuela por 3 a 0, também jogando em casa. Mas o fato de os últimos títulos terem vindo desta forma, não diz que um ciclo ruim facilite o título da Copa.
(Foto: Pablo Morano / BSR Agency / Getty Images)
Mas o maior legado do treinador na seleção brasileira não foi dentro de campo, mas fora dele. Ou pelo menos deveria ter sido. Tite mudou a maneira com que se faz futebol na CBF. Com a criação de um setor de análise de desempenho que trabalhava diariamente na sede da entidade. Os jogadores convocados se reuniam apenas na data FIFA, mas o trabalho da seleção brasileira continuava com o departamento de futebol se reunindo todos os dias. Isso sem contar o próprio técnico que visitava clubes e assistia a várias partidas do futebol brasileiro. No momento em que este texto é escrito, a seleção tem sequer um coordenador de futebol. Após a saída de Juninho Paulista, o presidente Ednaldo Rodrigues entendeu que não havia necessidade de um substituto.
No momento, temos um treinador com contrato até junho de 2024, que só se dedica a seleção durante as datas FIFA, e ainda divide suas atenções com o Fluminense. E a CBF diz ter um acerto com Carlo Ancelotti, que é um dos maiores treinadores da história, para assumir a seleção na Copa América do ano que vem.
É claro que Ancelotti pode chegar e fazer um excelente trabalho que culmine no título da Copa do Mundo de 2026, assim como o Brasil poderia ser campeão com Fernando Diniz no comando, e também teria chance de ser campeão sendo comandado por Ramon Menezes. Afinal, estamos falando de um torneio de sete jogos, tudo pode acontecer na Copa, e não necessariamente a melhor equipe é a que vence. Uma partida ruim na hora errada e você volta mais cedo pra casa.
Foi o que vimos acontecer no ano passado, uma partida em que o Brasil tem dificuldades de marcar a saída de jogo da Croácia no primeiro tempo, a equipe volta melhor do intervalo, mas falta efetividade para matar o jogo ainda no tempo normal, o gol sai só na prorrogação, e em uma sequência de erros individuais, o chute de Petkovic desvia em Marquinhos e mata o Alisson no primeiro chute a gol do adversário, e o time perde nos pênaltis. Não há questionamentos de que a seleção brasileira era mais time que o adversário, mas um roteiro de jogo atípico nos custou o "sonho do Hexa".
Mas o ponto não é esse. Ganhar a Copa não é uma escolha. Não há Ancelotti, Guardiola ou qualquer figura religiosa que possa nos garantir este título, e é por isso que a avaliação de um trabalho não pode ser baseada exclusivamente nisso. A questão é que Tite fez um excelente trabalho na seleção, então qual é o sentido de jogar tudo fora porque o título mundial não veio? Não é possível afirmar que a CBF escolheu começar do zero e descartar tudo que foi construído nos últimos anos, mas olhando a situação administrativa da equipe e o que vem sendo apresentado em campo, essa é a sensação que fica.
(Foto: Matthew Childs / Reuters)
O cerne da questão é: estas críticas de que o futebol brasileiro acabou, e que ninguém mais respeita a seleção são balela. Elas não procedem, não são de hoje e simplesmente não levam a nada. O que não quer dizer que não tenhamos problemas, e que não precisamos resolvê-los o mais rápido possível se quisermos ser campeões em 2026. Afinal, não é só a Copa que importa? Se todo torcedor brasileiro faz questão de afirmar que o ciclo pré-Copa não vale absolutamente nada e só o que importa é o título mundial, por que toda essa revolta após uma derrota em Eliminatórias?
O Brasil precisa melhorar. Não para agradar o torcedor que reclama, não para voltar a ser encantadora, mas porque como equipe de futebol, a seleção brasileira precisa de um desempenho melhor se quiser brigar por seus objetivos. Durante seis anos na "era Tite" tivemos um desempenho altamente satisfatório, e a CBF precisa agir para que a seleção volte a render daquele jeito. Muitos tiveram a impressão que no último ciclo estávamos muito longe de poder ganhar a Copa, o que não é verdade, mas o que ninguém vai discutir é que agora estamos ainda mais longe.